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NÃO SOU SANTO
2

 

Fevereiro

 

2016
24

 

Março

 

2016
Yonamine - Não sou santo
Yonamine - Não sou santo
Yonamine - Não sou santo
Yonamine - Não sou santo
Yonamine - Não sou santo
Yonamine - Não sou santo
Yonamine - Não sou santo
Yonamine - Não sou santo
Yonamine - Não sou santo

Yonamine nasceu em Angola em 1975. Viveu em Angola, Zaire (atual R.D.C.), Brasil e Reino Unido. Atualmente vive e trabalha entre Lisboa, Luanda e Berlim. Yonamine define-se como um artista Luso- Congolês.


“Agir é construir. Destruindo”. Teixeira de Pascoaes


O título desta nova exposição individual de Yonamine é uma afirmação na primeira pessoa: ‘Não Sou Santo’. No imediato, nada de novo: ninguém o é. Porém, após entrarmos no espaço da galeria Cristina Guerra, percebemos a amplitude engenhosa e irónica da declaração.


Um mural forrado de tostas, como se fosse uma parede de azulejos com um padrão de motivos figurativos, revela a repetição de um rosto e de números árabes. Ao aproximarmo-nos, descobrimos que o rosto é de José Eduardo dos Santos, enquanto os números individualizados em cada tosta parecem formar um código indecifrável, em que predominam os algarismos 0, 1 e 8. A chave para a descodificação do código prende-se com a figura em causa. O 1 refere-se ao estatuto de Presidente da República, o número 1 do país, e traduz toda a interpretação atribuída pela numerologia a este número; mas 1 é também ordinal, o 1º enquanto sinónimo de Kwanzaa, uma celebração que festeja o início dos primeiros frutos das colheitas em África, daí Kwanza ser a moeda de Angola. O número 0 traduz a ausência, a falta de, o vazio, significado que ganha outra dimensão pelo facto de a forma em círculo ser também símbolo de eternidade. Por sua vez, o 8 é associado ao símbolo totalizador, representando na cabala a apropriação do poder e a vitória pessoal através do enriquecimento. Posto isto, ficamos a pensar qual o resultado gástrico de comer uma tosta com a cara de José Eduardo dos Santos... Mas este jogo é também uma epigrafia visual à ignorância e à forma como se “consome arte” em certos contextos: “comer arte. ...arte”, ou noutra vertente portuguesa “...postas de pescada”.


A provocação desta instalação tem continuidade nas telas quadradas de serrapilheira que ocupam o restante espaço do primeiro piso da galeria. Yonamine reúne nestes trabalhos as diversas técnicas artísticas que tem vindo a utilizar ao longo do seu percurso: recortes de jornal, impressão serigráfica, colagem, grafittis, desenho, pintura, fotografia trabalhada em cartazes impressos em off-set. Paralelamente, o artista intensifica o processo arqueológico de recolher elementos iconográficos e icónicos da sua memória e vivência; amplia a semântica que tem vindo a explorar, inspirada na semiótica urbana; e criou novas analogias metafóricas de dimensão sociológica e antropológica, em que o humor satírico é tempero constante na forma como cozinha a desconstrução dos estereótipos.


A reflexão crítica do artista incide sobre referentes políticos, económicos, sociais e culturais da sociedade angolana e do mundo em geral: Obama; “Je suis Charlie”; o símbolo de peso das embalagens é multiplicado em várias obras, em referência às pesadas “cargas” sociais; a máquina da roupa com sangue no tambor e os produtos de limpeza, Neo Blanc, OMO, CIF, remetem para o branqueamento da corrupção e da violência física e psicológica - sendo que CIF é tembém acrónimo de China International Foundation dado que a China está a “colonizar” Angola com os seus investimentos, empreendimentos colossais e apertada rede de influências; os grafittis rasurados a fim de tornar a mensagem imperceptível, criando ainda mais ruido visual, etc.


Nesta incalculável acumulação e sobreposição anárquica de elementos, Yoamine evoca a mutação das paredes de rua com cartazes colados uns sobre os outros que acabem rasgados e destruídos pela erosão. É como se trouxesse para o interior da galeria o lado marginal da paisagem urbana que tendemos a ignorar. Em cada tela há camadas que se aglutinam através de um descomedido ato de rasura que parece não ter fim. Dado o facto de a grande maioria dos materiais serem manufaturados, este é um método complexo, moroso e exigente, em que vários momentos de criação artística rigorosa são literalmente destruídos.


De uma forma inédita, o artista leva-se ao limite, exigindo de si mesmo a coragem e a determinação necessárias para dar corpo a este processo de auto-vandalização. A aparência agressiva e de escárnio niilista destes trabalhos remete-nos para uma estética “punk”, enquanto expressão de cultura subversiva. É isso que distingue estes trabalhos e eleva Yonamine à categoria dos artistas que não se refreiam ao pensar no Mercado, que não têm medo de arriscar.


Por fim, um vídeo. “M de M2, criado em 2013, é apresentado agora, pela primeira vez, em Portugal. M é a letra protagonista em torno da qual se desenvolve toda a trama desta história real composta exclusivamente por palavras. A branco sobre fundo preto, os termos surgem à cadência do tique-taque do relógio e vão desvelando todo um universo auto-biográfico de referências entre si. De novo o ato de acumular e associar, por via do processo arqueológico de desvelar a memória, que aqui resulta num inventário constuído por palavras de várias línguas.


A exposição apresenta vários momentos de evolução na retórica artística de Yonamine. Sendo que, como dizia Agostinho Neto, “Não é questão de língua, mas de qualidade” (só por essa via) “A vitória é certa!”.



Adelaide Ginga

Fevereiro 2016

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