Exposição Coletiva
ALEXANDRE ESTRELA | ANDRÉ CADERE | ANDRÉ CEPEDA | ANDREAS FOGARASI | CHRISTIAN ANDERSSON | DAN GRAHAM | EDITH DEKYNDT | FABRICE SAMYN | FILIPA CÉSAR | FRANCIS ALŸS | GONZALO LEBRIJA | JUAN ARAUJO | JULIÃO SARMENTO | JULIEN BISMUTH | KATINKA BOCK | LAWRENCE WEINER | LUÍS PAULO COSTA | MARCO GODINHO | MATT MULLICAN | MELIK OHANIAN | MICHAEL BIBERSTEIN | ORIOL VILANOVA | PETER DOWNSBROUGH | PIERRE JEAN GILOUX | RENATO LEOTTA | BARRY ROBERT | RUI CALÇADA BASTOS | RUI TOSCANO | SABINE HORNIG | THOMAS RUFF | VITTORIO SANTORO | WOLFGANG TILLMANS
‘errâncias’ reúne um conjunto de obras de arte que revelam momentos urbanos e instantâneos fotográficos captados através das lentes dos artistas. A exposição ecoa o processo criativo no qual as ações de andar e olhar, desvinculadas de uma intenção de procura, criam espaço para o inesperado.
Estes trabalhos capturam os detalhes e as ressonâncias que moldam a cidade como memórias efémeras apercebidas através do ar, dos sons e das texturas. Esta exposição propõem uma experiência não linear e cinemática que nos convida a deambulações e observações pessoais, mas também a diálogos com a galeria.
O projeto é inspirado em três filmes que descrevem viagens urbanas através de Lisboa: “A Cidade Branca” de Alain Tanner, “Viagem a Lisboa” de Wim Wenders e “Deriva” de Ricardo Costa. Estes filmes são retratos que revelam a visão poética de um artista enquanto nos oferecem uma ideia de cinema com a cidade como protagonista. Esta redundância aparente põe em destaque o fascínio pelo ato de representar a realidade através do encontro e de viagens introspetivas, conhecidas como errâncias.
A figura do ‘flâneur’ urbano que encontramos em “Os devaneios do caminhante solitário” de Rousseau, desenhando num
baralho de cartas ao longo da sua ‘promenade’, relaciona-se com a prática filosófica de Platão, Heidegger ou Kant. No entanto, a versão moderna deste ‘flâneur’ remete para o ‘caminhante moderno’ descrito por Walter Benjamin no seu livro “Passagens”, ou para o agrimensor de Kafka e para o ‘Passante’ de Baudelaire, entre outros.
Caminhar através de uma paisagem cria um ritmo de pensamento. Esta dinâmica específica estimula uma reflexão peripatética entre territórios exteriores e interiores. As ideias surgem frequentemente como elementos do meio envolvente, à espera de ser apanhadas, em que o pensamento acontece mais como um movimento do que um processo. Esta alquimia torna-se ainda mais apurada quando vagueamos através da rua de uma cidade com os seus espaços públicos contrastantes, que podem ser mais expostos ou mais íntimos, mais protegidos ou mais partilhados.
As errâncias são muitas vezes precedidas ou estimuladas pelo ócio. Estas viagens acontecem durante períodos nos quais os artistas decidem afastar-se deles próprios, deixando os seus estúdios para trás, perseguindo as suas ideias mais fugazes e permitindo que o seu espírito assome. Este estado de enfado informal em movimento desperta um estado mental de ‘deixar ir’, que coroa a ação de caminhar como um ato artístico em si. O ato de caminhar como suporte artístico ganhou muita significância com a ‘Teoria da Deriva’ dos Situacionistas nas suas criações de novos mapas geopolíticos e cidades emergentes.
Finalmente, os artistas importaram para as suas práticas o caminhar enquanto medium, reivindicando a essência desta ação sobre o seu resultado. A parte mais importante desta marcha criativa é a errância ela própria, sem destino predeterminado. Andar torna-se numa espécie de ritual. A deambulação anula as nossas trajetórias habituais, permitindo-nos escapar às nossas circunscrições quotidianas. As errâncias são a expressão e o sentimento da liberdade, de estarmos onde não somos esperados, em contínuo deslumbramento.
A exposição apresenta diferentes formas através das quais os artistas exploram o mundo e como eles traduzem as suas
experiências durante errâncias aleatórias através da cidade. Estes trabalhos transformam-se frequentemente no testemunho de uma visão íntima que recupera a memória das perceções. Esta seleção curatorial apresenta várias sequências compostas por múltiplos pontos de vista que desafiam o espectador para um jogo de imersões em fotografias e filmes.
De uma forma bastante direta, a atmosfera criada na entrada e no espaço principal convida o espectador a experimentar uma leitura cinemática da paisagem urbana composta por imagens e textos evocativos. No espaço seguinte, apresentamos uma seleção de trabalhos que captam o ar atmosférico e o depositam em diferentes suportes. Um balão azul flutua a meia altura, entre o chão e o teto, errando livremente pelo espaço expositivo. Na sala de baixo, a seleção de trabalhos que apresentamos diz respeito às práticas resolutas dos artistas durante as suas deslocações.
Entre os artistas cujos trabalhos aqui apresentamos, há um diálogo que se instiga: à entrada destaca-se um fotograma de uma cena de cinema numa rua citadina de Filipa César, enquanto Alexandre Estrela sobrepõe um fotograma vídeo com imagens de ícones de cidades, cada um explorando diferentes visões cinemáticas; no espaço principal, logo depois da entrada, Peter Downsbrough intensifica a perspetiva em pequenas fotografias a preto e branco, enquanto Melik Ohanian utiliza imagens grandes e coloridas, ambos oferecendo-nos uma amostra da base de dados de imagens do seu mundo; Katinka Bock e Fabrice Samyn capturam de formas distintas a natureza efémera de um lugar; na sala de baixo, vemos como Edith Dekyndt e Vittorio Santoro, respetivamente, desenham e escrevem de forma repetitiva durante as suas caminhadas e viagens; André Cadere sublinha a ação do deslocamento com um pau colorido, mostrando-nos como as errâncias estão na base do seu trabalho desde a década de 1970, enquanto Francis Alÿs convoca a figura do ‘flâneur’ simplesmente reclamando o estatuto de transeunte, tal como foi analisado por Walter Benjamin no seu livro “Baudelaire e a modernidade”.
Gregory Lang