© Vasco Stocker Vilhena
Jezebel in later biblical traditions emerges as the embodiment of everything
that is reprehensible in the other in the woman in the feminine in the queen
in the whore but I find her an entirely sympathetic character
I’ve always loved Jezebel.1
- Lawrence Weiner, in Wild Blue Yonder (2002)
Em interpretações correntes, Jezebel (ou Jezabel) é frequentemente descrita como a rainha que domina seu marido, persuadindo-o a fazer o mal. Essas interpretações foram relativizadas ao longo do tempo. Ao refletir sobre o personagem, Lawrence Weiner não se filiou a visões maniqueístas. Preferiu ressaltar a ambiguidade e as possibilidades de divergência entre interpretações subjetivas.
Interpretar sempre foi um problema humano. Os relatos a esse respeito são antigos. Não à toa, a parábola da Torre de Babel – na qual a língua de toda a terra teria sido confundida – é uma das mais conhecidas, em diferentes culturas. Jorge Luis Borges imaginou a Biblioteca de Babel, aludindo a “distritos em que os jovens se prostram diante dos livros e beijam com fervor as páginas, mas não sabem decifrar uma única letra.”2 A filosofia ocidental se dedicou ao tema e alçou a hermenêutica a uma de suas questões centrais.
Ao adotar o texto como seu principal material, Lawrence Weiner escancarou esse problema no campo das artes visuais. Sua preocupação recai sobre as múltiplas possibilidades existentes para concatenar símbolos que, uma vez interpretados, conduzem a sentidos contingentes, precários. Não há significados intrínsecos a cada trabalho. A literalidade se torna chave para a difusão: a mesma frase, em diferentes contextos, pode ser compreendida de formas distintas. Mas isto já não é um problema do artista, cujo gesto polissêmico e engenhoso registra-se visualmente, em esculturas textuais.
A ambiguidade e a polissemia são terrenos férteis para muitas investigações. Talvez constituam solo perfeito para a expressão da sensualidade, em suas mais variadas acepções. Lawrence Weiner considerava-se um artista sensual. Assim como a polissemia dos símbolos rigorosamente articulados em suas esculturas, a sensualidade perpassa seu trabalho, embora às vezes passe despercebida pelo público. Ela não se revela apenas em trabalhos mais explícitos: é inerente também às esculturas de texto, que aludem ao movimento e à dança, a passos de ballet, e ressaltam a graça do gesto (título de um conhecido trabalho do artista).
Nesse sentido, em uma entrevista concedida a Benjamin Buchloh, Lawrence afirmou: “Sou um artista sensual. Estou envolvido nas relações sensuais dos materiais. Isso parece ser a natureza da arte, e não acredito que restringir essa natureza a tornará necessariamente mais rigorosa, porque, essencialmente, ainda se trata da comunicação das observações de um ser humano para outro, com a intenção de provocar uma mudança de estado.”3 Em outra ocasião, disse que “Uma das marcas registradas da arte é a sua sensualidade. Há sensualidade em todos os materiais. Certamente existe sensualidade em qualquer relação entre um material e outro. A aceitação da sensualidade é uma necessidade, e sua existência não é hedonista, é apenas realista.”4
Esta exposição busca ressaltar esses dois aspectos da obra de Lawrence Weiner: a polissemia que resulta da interpretação e a sensualidade. Ambas se revelam em diferentes suportes: livros, discos, esculturas textuais, vídeos e efêmera. O ponto de partida é a coleção moraes barbosa, que, de forma raríssima em coleções privadas, reúne aqueles suportes com fartura e abre caminhos para diversas abordagens ao trabalho de Lawrence Weiner.
Interpretar Jezebel não é apenas um desafio hermenêutico. Trata-se de abraçar o mistério da comunicação humana, as perspectivas de cada intérprete e a sensualidade que habita as fricções entre pontos de vista que partem dos mesmos portos, mas navegam oceanos distintos, rumo ao distante azul selvagem.
Organização:
Thiago Tannous
Pontogor
Joaquim Pedro
Em parceria com:
coleção moraes barbosa
1. “Jezebel, em tradições bíblicas mais tardias, emerge como a personificação de tudo que é
reprovável no outro / na mulher / no feminino / na rainha / na prostituta / mas eu a considero uma personagem integralmente simpática / sempre amei Jezebel.”
2. BORGES, Jorge Luis. A Biblioteca de Babel. Publicado tanto em El Jardín de senderos que se bifurcan (1941) quanto em Ficciones (1944).
3. A entrevista foi publicada sob o título “Art is not about Skill”: Benjamin Buchloh Interviews Lawrence Weiner On His Sensual Approach to Conceptual Art”. Disponível em: https://www.artspace.com/magazine/art_101/book_report/art-is-not-about-skill-benjamin-buchloh-interviews-lawrence-weiner-on-his-sensual-approach-to-54588
4. Lawrence Weiner by Marjorie Welish. BOMB Magazine, Winter 1996 Issue. Disponível em: https://bombmagazine.org/articles/1996/01/01/lawrence-weiner/