© Vasco Stocker Vilhena
O trabalho de Sabine Hornig explora perspetivas sociais e culturais tal como elas se refletem no ambiente construído, examinando as formas como estas se alteram — visível ou invisivelmente. Combinando escultura e fotografia de forma única, a sua prática desafia hierarquias familiares e centralidades hegemónicas através da sobreposição de múltiplas perspetivas do olhar.
Na sua nova exposição na Cristina Guerra Contemporary Art, Hornig apresenta uma escultura central em diálogo com obras bidimensionais em fotografia e vidro. Empregando técnicas de duplicação e transparência, estas peças incorporam ativamente a perspetiva do visitante na dinâmica física do espaço expositivo.
A peça central, Wahlkabine (Voting Booth), consiste numa estrutura metálica que forma duas salas idênticas e contíguas. Estes espaços só podem ser acedidos sequencialmente a partir de direções opostas ou observados simultaneamente através das suas paredes permeáveis, sendo que uma sala funciona como o inverso da outra. Cada espaço contém uma pequena mesa, semelhante a uma cabine de voto, enquanto as paredes transparentes negam paradoxalmente o conceito de privacidade. Esta instalação interroga a simultaneidade inquietante de perceções interiores e exteriores, desestabilizando certezas outrora sólidas. Evoca a experiência desorientadora de confrontar paradigmas sociais que se invertem subitamente, num eco de um dilema Orwelliano. A estrutura metálica, construída apenas com juntas para construções em tijolo, sublinha a tensão entre opostos e a fluidez das suas permeabilidades.
Noutra série de trabalhos, a artista suspende placas de vidro no ar, sugerindo janelas em paredes invisíveis que dividem subtilmente a galeria. Estas peças de vidro apresentam composições realizadas em tinta cerâmica, que brilham em padrões fragmentados, semelhantes a reflexos codificados de ambientes invisíveis. Elementos de graffiti encontrados na rua misturam-se com imagens icónicas, incluindo uma fotografia das manifestações de 1989 em Berlim Oriental que precipitaram a queda do Muro, e fragmentos urbanos de Berlim, Tbilisi e Nova Iorque. Estas superfícies translúcidas e estratificadas evocam associações efémeras e convidam os visitantes a explorar perspetivas sempre mutáveis.
Como Mark Gisbourne observa no seu ensaio para Passage through Presence*:
“É uma característica marcante da arte escultórica de Hornig que ela utiliza fotografias traduzidas para ou entre placas de vidro para criar um espaço intermédio de consciência ótica.”
As obras de vidro de Hornig expandem a sua abordagem característica usada na sua fotografia de janelas, incorporando aqui camadas espessas de tinta cerâmica utilizada na serigrafia feita à mão sobre o vidro, cozida numa mufla de alta temperatura. Esta técnica confere à qualidade efémera da fotografia a solidez tátil do vitral tradicional. Cada peça, com a sua transparência dupla e reflexividade parcial, permite ao visitante ver simultaneamente a frente e o verso, criando um paradoxo suspenso de perceção espacial e temporal. Estas obras multiplicam e capturam o olhar do visitante, atraindo-o para um jogo dinâmico entre interior e exterior.
Esta duplicidade é explorada mais a fundo na parte inferior da galeria, com naturezas-mortas de flores. Estas peças de vidro sem moldura são suportadas por tripés metálicos que se assemelham a suportes fotográficos. Representando vasos de flores altamente realistas sobre fundos escuros, evocam a tradição da pintura de naturezas-mortas do século XVII. Contudo, aqui, as corolas voltam-se para longe do observador, visíveis de ambos os lados como um diapositivo. A “moldura” não é uma moldura tradicional, mas uma moldura de janela fotografada, criando um paradoxo evocativo dos jogos que podemos encontrar nas pinturas de Magritte.
Hornig amplia os seus interstícios estratificados para fachadas arquitetónicas inteiras como obras de arte públicas. Quatro excertos recentes de obras texto-imagem são apresentados na galeria central. Estes foram criados através de serigrafias sobrepostas em papel e assemelham-se a cartazes políticos. Imagens da arquitetura de Nova Iorque são justapostas a declarações de crítica social feitas pelo antigo presidente da Câmara de Nova Iorque, Fiorello La Guardia (1882–1947), abordando temas como migração, desigualdade urbana e guerra. Nesta sobreposição, estas declarações intemporais assumem uma explosividade contemporânea.
À medida que as sociedades sofrem mudanças ideológicas e paradigmáticas nos seus sistemas de valores, o futuro parece desequilibrado e suscetível a alterações fundamentais a qualquer momento. Neste contexto, o trabalho de Hornig examina a negociação perpétua de fronteiras e perspetivas. Portas e janelas tornam-se metáforas de transformação, enquanto o desconforto com a transparência inspira uma investigação mais aprofundada. Nestes trabalhos, as suas camadas transparentes e inversões arquitetónicas convidam os visitantes a considerar as transições como oportunidades de reorganização e reavaliação, abraçando a complexidade de uma visão que inclui uma multiplicidade de perspetivas. Num contexto mais amplo, Wahlkabine critica a manipulação de verdades e fronteiras, traçando paralelos com a recorrente aceitação da arbitrariedade política e da autoridade descontrolada. Reflete sobre a fragilidade da liberdade e a vulnerabilidade da participação social.
Atelier Sabine Hornig
Janeiro 2025
*Sabine Hornig, Passage Through Presence, Berlim, 2022, 255 páginas. Autores: Mark Gisbourne, Nicolas Baume, Barbara Flynn, Marcus Steinweg, Sabine Hornig.