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Solilóquio
30

 

Janeiro

 

2020
7

 

Março

 

2020
Mariana Gomes - Solilóquio
Mariana Gomes - Solilóquio
Mariana Gomes - Solilóquio
Mariana Gomes - Solilóquio
Mariana Gomes - Solilóquio
Mariana Gomes - Solilóquio
Mariana Gomes - Solilóquio
Mariana Gomes - Solilóquio
Mariana Gomes - Solilóquio
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Mariana Gomes - Solilóquio
Mariana Gomes - Solilóquio
Mariana Gomes - Solilóquio
Mariana Gomes - Solilóquio
Mariana Gomes - Solilóquio
Mariana Gomes - Solilóquio


On Painting. Contra a transparência


And what is the meaning of happening?

What ambush lies beyond the heather

And behind the Standing Stones?

Beyond the Heaviside Layer

And behind the smiling moon?

And what is being done to us?

And what are we, and what are we doing?

To each and all of these questions

There is no conceivable answer.

We have suffered far more than a personal loss—

We have lost our way in the dark.


T. S. Eliot, The Family Reunion (1939)



Neste texto de T. S. Eliot, sugerido por Mariana Gomes como mote para a sua exposição, são utilizadas diferentes estratégias narrativas – que vão desde a tragédia grega a novela policial – para abordar um drama familiar. Não importa aqui explorar a natureza específica desse drama, mas sublinhar o modo indirecto utilizado pelo escritor para compor o drama. Estratégia esta que fica expressa pela sua preferência pelo absurdo, pela inverosimilhança e improbabilidade das acções. Isto não quer dizer que Mariana Gomes se interesse por explorar quaisquer dramas nas suas pinturas, mas interessa-lhe a estratégia de Eliot de utilizar recursos absurdos, exagerados, simbólicos, para desenvolver um determinado tema, assunto ou conceito.


Esta preferência pela palavra oblíqua, tão comum traduz-se no modo como esta artista usa cada uma das suas pinturas como lugar de convocação de outros pintores e de outras obras como forma de construir um dispositivo pictórico e plástico para, de algum modo, absorver a realidade.


E aqui absorver a realidade não significa uma aproximação realista, representativa e didáctica à realidade e aos seus factos. Ou seja, as imagens que MG compõe para dizer / mostrar o mundo não o tornam mais límpido ou translúcido, mas, pelo contrário, tornam-no mais opaco, complexo e misterioso, isto é, mais poético. Neste sentido poderíamos entender estar em causa uma defesa do atrito entendido enquanto a condição necessária, terrena e fundamental para podermos andar:


Queremos andar, para isso precisamos de atrito. Regressar ao solo áspero! L. Wittgenstein, Investigações Filosóficas, §107


Regressar ao solo áspero, que Wittgenstein transformou em programa filosófico, é no caso de MG regressar à mancha, à forma, à tela, à pintura e aos seus acidentes e materialidade, libertando-se de mensagens, políticas ou ideias munindo-se principalmente da ambição de pintar. Trata-se de uma ideia de prática quotidiana da pintura a qual convoca a liberdade em pintar tudo o que lhe apetece, sem necessidade de construções prévias ou decisões a anteceder a acção pictórica. Uma espécie de ‘daily practice of painting’ (como lhe chama Gerhard Richter) que não pressupõe senão o compromisso com uma ideia de prática artística quotidiana, vital, orgânica, continua.


Note-se que, por exemplo, a artista trabalha simultaneamente em todas as pinturas atentando, principalmente, às direcções e desenvolvimento que o crescimento de cada uma delas vai ditando e sugerindo. Uma concepção da obra de arte como organismo vivo em permanente estado de desenvolvimento, formação e metamoforse.


Neste contexto, a prática de MG ambiciona testar e experimentar as diferentes potencialidades figurativas, temporais e espaciais da pintura. Figurativas porque são explorados e testados ao limite do seu reconhecimento um enorme conjunto de referências visuais que a artista recolhe de outros pintores e de outras pinturas que depois reorganiza segundo novas lógicas compositivas e perceptivas. Temporais porque cada uma das pinturas de MG, graças à sua intensidade e complexidade, cria uma zona em que todos os tempos da pintura desaguam num único momento. Finalmente, cada uma destas pinturas empreende uma espécie de trabalho de abrir espaço para a expansão do espaço da pintura: conquistam o céu, elevam-se acima das nossas cabeças projectando os seus espectadores nas diferentes regiões do céu.


O cruzamento destes três elementos permite a MG o desenvolvimento de um trabalho que ao retomar muitos aspectos da história da pintura – sendo que nesta exposição a maior referência é Tieopolo e as suas notáveis pinturas de teto — se afirma enquanto obra singular e muito expressiva de uma pintura que não quer dizer nada a não ser o facto de ser pintura. Uma ambição em não “querer dizer nada” (como afirma a artista) que a leva a empreender quotidianamente a prática da pintura e a experimentar diferentes modos de ser pintora. Por isso, encontramos na obra de MG tantos personagens, tantos autores, tantas personalidades artísticas quase como se a artista sofresse do mal poético da heteronímia.


Umas obras são figurativas, outras abstractas, outras parecem surrealistas e em que os diferentes registos da banda desenhada se encontram com um universo mais geométrico, formal, racional; outras são humorísticas e usam a linguagem como forma de provocar o espectador e perturbar o sentido; outras metafísicas a abrir-se e a atirar o espectador para o espaço insondável do céu. Entre muitos outros acontecimentos que poderíamos identificar nos seus trabalhos.


Mas independentemente da filiação e ambição de cada uma das obras de MG, há um elemento decisivo que é a recusa da reificação das imagens: as imagens que estão na origem destas pinturas, muito informadas e cultas, não servem para dar continuidade a uma certa tradição iconográfica e histórica, mas a sua força reside no modo como recusa que cada imagem pintada se transforme em cultura e fique domada, anestesiada, a representar outra coisa outra que não ela mesma.


Trata-se de uma estratégia de não neutralizar as imagens tornando-as insígnias ou reclames de uma qualquer ordem ideológica, discursiva e estética, mas tornando cada existência individual e material da pintura num ser que é, sobretudo, um lugar de descoberta, mistério e porosidade. Reclamar o espaço da pintura como espaço obscuro de descoberta e mistério corresponde a assumir a pintura como lugar de um acontecer que é material e espiritualmente indomável. Carácter este que leva a artista a obscurecer os seus trabalhos combatendo qualquer ideia de transparência ou literalidade, porque sabe que, como diz Adorno, a transparência material da cultura não a torna mais honesta, mas sim mais vulgar. (Prismas, 1967)


Para voltarmos às palavras iniciais de Eliot, cada uma destas obras é um acontecimento material, pictórico e espiritual cuja estrutura é composta por camadas, sobreposições e acções cuja estrutura de significação é porosa, profunda e poética.



Nuno Crespo, Janeiro 2020 

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