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Beco das Flores, Canedo do Mato
19

 

Novembro

 

2024
11

 

Janeiro

 

2025
José Loureiro - Beco das Flores, Canedo do Mato
José Loureiro - Beco das Flores, Canedo do Mato

 

José Loureiro - Beco das Flores, Canedo do Mato

 

José Loureiro - Beco das Flores, Canedo do Mato
José Loureiro - Beco das Flores, Canedo do Mato
José Loureiro - Beco das Flores, Canedo do Mato
José Loureiro - Beco das Flores, Canedo do Mato
José Loureiro - Beco das Flores, Canedo do Mato
José Loureiro - Beco das Flores, Canedo do Mato

© Vasco Stocker Vilhena

Beco das Flores, Canedo do Mato


A primeira gravata. A primeira unha. A unha cortada rente. Dedadas grandes e pequenas. O desabrochar do narciso e os atalhos que toma até adquirir as qualidades do homem devoto das grandes causas. O cotovelo direito a pressionar a coxa esquerda, seguido do cotovelo esquerdo a pressionar a coxa direita, seguido do cotovelo direito a pressionar a coxa direita, seguido do cotovelo esquerdo a pressionar a coxa esquerda. A cabeça pesada segura entre o polegar e o indicador. O dedo entalado na botoeira. O alarme de ver pela primeira vez o dedo mindinho dobrado exactamente nos 162 graus. O habituar-se. A aula de canto e o primeiro assobio roufenho. O domínio da geometria. O domínio da língua e o tento. O aflorar do canino na boca sorridente. A ponta do dedo a percorrer sonhador a superfície do espelho embaciado e a desinteressar-se rapidamente. A primeira dentada sofrida, nunca esquecida e traiçoeiramente retribuída com o dobro da força. A cara reflectida na água escura do banho. O olhar vago a medir a profundidade de cada cova. O estorvo das avencas e atoalhados. A dúvida excruciante, martelada com força até desaparecer. A extinção da dúvida. Os dedos, rebentos de soja. A unha roída até ao sabugo ou deixada à sua sina: crescer. A estranheza de observar de quando em quando — mas com a regularidade infalível da passagem dos cometas — os dedos revoltos de um pé, possuídos pelo desejo. O enxofre oloroso e a cor amarelo-esverdeada do enxofre. O caminho acidentado e pedregoso até chegar a Canedo do Mato, o lugar na Terra onde se esconde o mais amplo mar de narcisos em flor. O mini espelho de bolso e o pente oleoso, o último infelizmente em desuso público. O enredar dos dedos. O desentrelaçar dos dedos. Os nós dos dedos. O bem-estar. O cirandar. A descoberta da pólvora. O gafanhoto a avaliar pelo retrovisor a amplitude do último salto. O badalo. O quebranto. A modorra. O denodo no depilar. A primeira pulga catada. O primeiro pino. A descoberta da sexualidade e do olho. A primeira camisa de seda com a primeira nódoa. O constatar a mediocridade de todos os tira-nódoas. A dor profunda de já não se verem colarinhos com uma das pontas revirada perene. O salpico de gordura caído no sítio certo, teleguiado pela inteligência artificial. A compota à mão. O brilho na unha, apesar do breu. O olhar de quem está a perceber tudo. O olhar de quem está a ver a coisa sob todos os ângulos. O elucidar de crianças, adultos e velhos — em folhas A4 impressas depositadas em recipientes de plástico — sempre que entram em salas brancas já de si perfeitamente iluminadas. A luz a faltar. O ir verificar a origem da falta da luz. O piquete da luz. O não pagamento atempado da conta da luz. O corte da luz. O elevado preço a pagar pelo religar da luz. A incerteza do regresso da luz. A hipótese aterradora de a luz estar desde sempre extinta — o mais certo e o que talvez seja o caso. O estudo aprofundado de todas as coisas. A pesquisa. A grande descoberta. O projecto. A reflexão. O quarto de luz mortiça para ajudar àquela, mais a esteira no chão para o exercitar diário da espargata. A beleza da arquitectura. A beleza do sofá. A beleza do candeeiro. A luz zenital coada. A morte da bezerra. O palácio e o boi. A primeira homenagem. A urgência em homenagear. O desprendimento de todas as homenagens. O cheiro a canos. A tumba tépida. A arte poderosa.

Um portento por badalada.

O assunto a desfalecer de inanição.

A carteira recheada de cebolinho.

O aguardar vez para desfilar no Beco das Flores, Canedo do Mato.




José Loureiro

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