Cristina Guerra- Contemporary Art apresenta “Sets for Thoughts” , exposição individual de Filipa César.

Inaugura dia 29 de Outubro de 2002, às 22h00.

30 de Outubro a 23 de Novembro de 2002

A expectativa criada por situações de espera e a atenção focada nas acções triviais do cidadão anónimo atravessa a obra de Filipa César (Porto, Portugal, 1975). Os espaços são substituídos pela potência de uma acção suspensa, cujos personagens revelam uma tensão, discreta ou profundamente inquietante, criada pela ausência dos processos comunicativos.

Contudo, apesar de filmar pessoas anónimas em gestos triviais e espaços comuns, muitas vezes através de registos clandestinos (violando desta forma, o direito à privacidade e protecção da intimidade individual), o trabalho da artista afasta-se da prática do registo documental para a construção de uma narrativa ficcional, apoiada nas possibilidades editoriais do processo vídeo, através da manipulação e reconfiguração do binómio espaço/tempo.

Obras seminais deste registo, reveladoras do eixo de preocupações que formam o cerne da sua investigação, são, por exemplo, os títulos: Untitled (Romance) (Slowmotion, Lisboa, 2002) onde pessoas anónimas- filmadas em estações de metro e comboio- se transformam, pelo trabalho de edição vídeo, em intérpretes de relações fugazes através do olhar; Untitled (Twirler)- título que resulta da aglutinação da palavra thriller com twirl (remoinho)- (Milan Europe 2000. The end of the century. The seeds of the future, Milão, 2000), loop resultado da apropriação de várias cenas de filmes, que prolonga, indefinidamente, o suspense da acção- suprimida no processo de montagem- e assim, ‘estica’ a expectativa e a tensão até ao limite ou Letters (Disseminações, Lisboa, 2001), onde personagens anónimos se sucedem e substituem-se num posto de correios que, pelo recurso à dupla projecção (espelho da acção filmada) e obliteração do som, produz encontros em que um diálogo parece ter lugar, mas, por ser o seu duplo, só revela o processo de comunicação de forma diferida e em circuito fechado.

Esta distopia do acto comunicacional, prolongada no enquadramento arquitéctonico de espaços anónimos- espaços quotidianos de partilha (átrios de aeroportos, estações de caminho de ferro, estações de correios...), característicos não-lugares- assenta na exploração dos interlúdios entre as acções, dos momentos em que aparentemente nada acontece e no recurso ao tempo como dado psicológico. E, assim, abre-se como campo de possibilidades para a construção de outras ficções sobre os actos relacionais.

Este conjunto de preocupações, que informa a pesquisa de Filipa César, prolonga-se na presente exposição individual, “Sets for Thoughts”, a inaugurar no dia 29 de Outubro na galeria Cristina Guerra- Contemporary Art, e desdobra-se numa pesquisa sobre a própria linguagem da arte, pela investigação de um dos eixos fundamentais da tradição pictórica : a paisagem.

Assim, na dupla projecção-vídeo Product Displacement (2002), um longo travelling por uma sucessão de macro-cenários da ‘vida real’ (rodado no departamento de projecção de interiores de uma rede de mega-stores de design, material com que se constrói os ‘mundos pessoais’ de cada um), revela-nos, pelo trabalho de direcção dos actores, o product placement- jargão técnico que significa a infiltração da publicidade, de forma contextualizada e subliminar, no universo cinematográfico- dos próprios personagens e, simbolicamente, a sua absurda ‘coisificação’ social.

A apropriação deste conceito refere-se, nas palavras da artista, a “uma ‘deslocação’ das preocupações do indivíduo enquanto eu para uma preocupação enquanto consumidor. Aqui, o produto não é colocado mas motor de uma ‘deslocação’ do indivíduo.” No fundo, um sintoma da alienação face à realidade, pela ‘deslocação’ do desejo de mais justiça social para a decisão de comprar, substituindo a impotência e frustração pessoal, perante a sociedade, pelo acto de compra.

O registo dessa sucessão de gestos e posturas casuais, sublinha o estado de apatia/ melancolia que trespassa todas as sociedades do tardo-capitalismo. Neste sentido, o trabalho inflecte para um subtil comentário político sobre o processo individualizador da sociedade e sobre o egotismo pessoal orientado para um consumismo ostensivo e insustentável.

Pelo recurso à dupla projecção temos, paralelamente, o ponto-de-vista daquele que é olhado: um plano ‘embaciado’ revelador do estado psicológico absorto e apático do indivíduo, o que se liga à série de 14 dípticos de fotografias- de título homónimo à exposição, Sets for Thoughts- mostrando pessoas em situações de contemplação que se relacionam, por um artifício de montagem, com uma ficção sobre o seu ponto-de-vista, duplo daquele que vê e o que é olhado.

Estes eixos de inacção/apatia ou contemplação/melancolia, notas sobre a indolência quotidiana, prolonga-se de forma enviesada em Untitled (2002), projecção de “uma maqueta de paisagem”, onde uma cama, por acção do travelling, se vai transformando em horizonte paisagístico, referência romântica a um estado de “sublime doméstico”, revelador de um estado de ausência e contemplação ou, por extensão, melancólico e apático.

É de salientar, pela diferença face a registos anteriores, que estes dois últimos trabalhos foram realizados num contexto não urbano (registados durante uma estadia de Filipa César em Bed Ems, estância turística alemã, país onde reside há já alguns anos), sublinhando o carácter artificial dos locais de lazer enquanto refúgios idealizados, ligação óbvia com o contexto produtivo do vídeo anterior.

Filipa César estará, brevemente, presente na secção video-lodge da edição de 2002 da feira Art|Basel|Miami Beach (Miami, Estados Unidos da América), a realizar entre 5 e 8 de Dezembro. H.M.