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Curador David Barro
A Roll of the Dice
21

 

Janeiro

 

2010
4

 

Março

 

2010
A ROLL OF THE DICE
A ROLL OF THE DICE
A ROLL OF THE DICE
A ROLL OF THE DICE
A ROLL OF THE DICE
A ROLL OF THE DICE
A ROLL OF THE DICE

TATJANA DOLL | FILIPA CÉSAR | SABINE HORNIG | JOÃO ONOFRE | JOÃO LOURO | RUI TOSCANO | JOHN BALDESSARI | ANGELA BULLOCH | MATT MULLICAN | JULIÃO SARMENTO | LAWRENCE WEINER



A ideia desta exposição nasce de um “momento supenso”: o instante que antecede o lançar dos dados, antes destes tocarem no solo. Como se conseguíssemos parar o relógio nesse preciso momento e tudo se detivesse inesperadamente, num dado instante. Num momento de máxima tensão, vemo-nos obrigados a esticar o tempo tal como no suspense cinematográfico. Sobressai assim a importância de olhar, a observação e a percepção, convertendo o espectador numa espécie de jogador de xadrez instantes antes de mover a sua peça.


Como Stéphane Mallarmé magicamente escreveu: “Todo o pensamento implica uma jogada de dados”. É verdade que o conhecimento nasce da consciência do incompleto, de um estado de parêntesis. No entanto, também dizia que “nenhuma jogada de dados pode excluir o azar” e nesse sentido concluímos não poder excluir qualquer pensamento. Trata-se em definitivo de seguir jogando, a pensar, a inventar, a criar. Expandir e concluir o trabalho já iniciado pelos artistas, neste caso com obras que apesar de capturarem imagens, permanecem num estado de fractura, num estado intersticial. O espectador deve dar sentido ao acto de leitura como penetração. O que interessa não é tanto a ontologia do secreto como força retórica, mas sim a sua capacidade de persuasão.


Observamos na obra de Julião Sarmento, uma espécie de coito interrompido que nos conduz a um mundo sem certezas absolutas. Sarmento decompõe a ordem do texto trabalhando a linguagem como desencontro, como penetração no indizível. Assim, deparamo-nos com uma série de desenhos que correspondem à origem da série Dirt. Depois do desenho inicial, Sarmento faz uma cópia para mais tarde o serigrafar numa tela, de maneira a que quando o que vemos não corresponda a uma realidade abstracta mas sim hiperrealista. Agora, estes trabalhos são mostrados sobre papel milimétrico enfatizando esse jogo entre a realidade e a ficção, já que o artista adverte que uma das virtuais verdades dos desenhos é falsa, sem no entanto nos dizer qual.


Como em toda a exposição se propõe uma narrativa expandida, uma escrita que possa penetrar no obscuro. Algo como o que observou Barthes sobre a poética de Mallarmé, que consistia em suprimir o autor em benefício da escrita (devolvendo o lugar ao leitor). Mais do que falar em contemplação, falamos de atenção, de ir mais além da suspensão da experiencia do olhar. Como nas obras de Filipa César e Sabine Hornig, a imagem deixa-nos com vontade de querer entrar nela. Na série fotográfica Raccord, Filipa César coloca o espectador nos sets de filmagens cinematográficas, no centro de Berlim, revelando tudo o que nos impede de alcançar a imagem. No caso de Sabine Hornig é a virtualidade dos reflexos que une distâncias, configurando-se como uma espécie de impossibilidade formal.


Penso, então, na luta das palavras de Beckett 'A expressão que não há nada que expressar, nada com que o expressar, nada para o expressar, não o poder expressar, não o querer expressar, também com a obrigação de expressar'. Como em muitas conversas a maior parte da comunicação é apenas isso, o silêncio. Foi aqui que Beckett certamente se inspirou quando criou a personagem de Buster Keaton protagonista de Film, procurando desdobrar-se em quem fez do silêncio a sua linguagem. Tudo se encaixa com a intenção não de dizer, mas de mostrar. Quando as palavras se transformam num murmúrio sem significado, elimina-se a presença, o referente. Ou quando se cega a imagem, como nos desenhos de João Onofre ou nas imagens de João Louro, afogadas na sua própria invenção num jogo de olhares e perguntas impossíveis, visível mais do que nunca na Blind Image # 27. Como uma linguagem que fala por si, contorcendo-se até descodificar a imagem.


Um outro olhar impossível é a proposta de John Baldessari que em Raised Eyebrows/ Furrowed Foreheads.: Two Cannons mostra canhões como se fossem binóculos no seu habitual jogo visual de justaposição e confrontação de imagens. Como em The Great Curve de Rui Toscano, falamos de contextos inexplorados e na capacidade do Homem para imaginar. Assim, sobre um tripé coloca uma espécie de telescópio no qual podemos observar um linha recta que remete, paradoxalmente, para um espaço curvo. Ganha então protagonismo o especulativo e a observação toma consciência dos seus limites como sucede na obra de Filipa César, Sabine Horning, João Onofre e João Louro. Também de especulativa se podia caracterizar a obra de Angela Bulloch Night Sky: Alioth 4, que no seu jogo de luzes representa um céu nocturno, que nos fala da inexistência de um ponto de vista único na hora de observar o universo; ou as imagens que se constroem de um modo virtualmente inconsciente, como uma escrita automática com infinitas combinações, como no caso de Matt Mullican.


A imagem da realidade não é mais do que a realidade dessa própria imagem. Como quando Godard foi rejeitado por colocar muito sangue num dos seus filmes e lucidamente respondeu que não era sangue, mas molho de tomate. Tudo é um jogo, e este jogo de dados proposto pelos artistas aos espectadores nunca é um jogo solitário.

Como completar um puzle, George Perec lembra-nos que cada gesto feito pelo jogador foi antes feito pelo criador do mesmo. Cada jogada, cada intenção foram decididas, calculadas, ou pelo menos estudadas por outro. O resto não é se não parte da magia do fragmento, e talvez como Houdini, sintamos algo mais do que a curiosidade pela a mutilação. Assim, somos cúmplices dos segredos que o artista tem que revelar no nosso trajecto ao encontro do desconhecido, até ao impossível.


Este exercício de choque, de observação suspensa, acontece em todo o percurso da exposição A Roll of the Dice. Mesmo na despedida: duas câmaras pintadas por Tatjana Doll apontam directamente para o espectador que se vê apanhado por elas e descobre que o foi desde o principio do seu trajecto. Um espectador preso num espaço que, no entanto, se mostra mais aberto do que nunca. Assinala-o lucidamente Lawrence Weiner com obra que apresenta nesta ocasião: “O dado está lançado”. É verdade que, se o dado está lançado, deixando a percepção em suspenso, o destino de uma mesma imagem é diferente para cada espectador.



David Barro, 2010

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